domingo, 20 de fevereiro de 2022

Chegada

 Chorei sob os ossos de minha mãe, não apenas uma vez mais várias, seja ela com vida ou morta, com vida sentia o seu cansaço, via seu olhar triste e perdido para o nada que nos últimos dias ficaram fechados por não ter mais forças nas pálpebras, ali ela estava em carne, osso e um e outro suspiro da pouca vida que lhe restava.
 Chorei sob seus ossos quando enfim avisou que iria morrer, disse ao seu ouvido que poderia ir em paz, mas no fundo estava com raiva, a vida, Deus ou o que quer que seja levou a única razão de me mover, de viver, de amar alguém verdadeiramente. Chorei sob seus ossos e pele que já começava a esfriar.
 Choro sob seus ossos todas as vezes que vou a cemitério no interior, costumo imaginar ela saindo do chão e pedindo ajuda para subir, penso nela chegando do meu lado e dizendo ser uma grande brincadeira e que eu teria outra chance de viver com ela aqui, mas ela não volta e saio do cemitério incrédula, ela não vai voltar nunca mais, nunquinha, nunca. 

 Almejo o dia que meus ossos descansarão junto dos dela e eu poderei estar ao seu lado pelo infinito. Mesmo que não exista o infinito, outro plano. 

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