domingo, 21 de maio de 2023

Últimas noites do fim de julho

Fazia uns dias que a mãe não levantava mais sozinha, estava meia luz o quarto, minha avó dormiu na rede e eu estava deitada na cama ao lado da mãe.

 Olhei ela a minha esquerda bem magra, o couro e o osso, suas mãos pareciam bem mais alongadas e com veias bem amostra, ela costumava deixar a mão direita sobre a barriga e a outra esticada, eu gravava aquela cena.

- A senhora não tem medo de morrer?
- Não - falou olhando pras telhas - A gente aprende que tem o lugar bom e ruim, queria ir pro lado de Deus.
- Por tudo que passou eu acho que vai. Não seria justo passar por tudo isso e não ir pro céu. 
- Deus é quem sabe.
- Eu odeio deus, se ele existe eu o odeio, não é justo isso, se fosse comigo eu até entenderia mas com a senhora...
- Tu só conversa besteira
- Eu o odeio...
- Eu queria ficar mas se não é pra ser eu tenho que aceitar, né?! 
- Eu queria que fosse comigo. Por favor não me abandona
- Não é porque eu queria, minha bichinha, eu me preocupo como você vai ficar, não tem ninguém por você aqui, mas se Deus quis assim ele sabe.

 Organizamos muitas coisas naquela noite, choramos, rimos, queria que aquela noite tivesse durado pra sempre, e esse era meu problema, iria acabar, eu ia perder aquilo e muitas das conversas que tínhamos.

 Sinto falta de seus dedos longos no meu cabelo mesmo muito doente, de chorar junto e sorri junto, de pensar e viver o antes da doença, do planejar a vida e até nas brigas da família, queria ter a vida que tenho hoje com ela viva, para ela saber que já não estou tão só, pra partilhar o café e bolo, os almoços e jantas.