quarta-feira, 21 de setembro de 2022

A mãe dizia que não queria viver até ficar velhinha onde outra pessoa além de mim tivesse que cuidar dela, eu brincava e dizia que ela ia ter que aprender a permitir ser ajudada, ela sempre falava que preferia morrer. Nunca imaginei que fosse concreto.


 Sinto raiva do que me restou, pensando agora não foi só o amor que ficou, ficou lacunas, culpa, a carência que me deixa vulnerável, a certeza que não sou boa, que sou indigna, que não sou o que acham que sou. Uma farsa. Impostora.


 Eu ainda não a deixei ir, como posso deixar ir a única pessoa que nunca imaginei ficar sem?! Jurava que cuidaria dela até ficar imóvel em uma cama, frágil pela idade e não pela doença. Não foi apenas o amor que ficou.


 Ficou o amor que não sei o que fazer, ficou a incoerência que me une a ela, porque não dói apenas o amor, dói me ver nela, saber que para além do túmulo tenho coisas dela, coisas que detesto e criticava. Como pude dizer que deveria aceitar ajuda se eu mesma não aceito ajuda?!


  Sempre briguei, xinguei, esperneei, odiava a questão dela ter medo de aprender porque foi instruída que não aprenderia, que era inferior, que não merecia ser amada e ninguém a olharia, que todos riam dela, que falava apenas besteiras, que não era ninguém. De todo o complexo de inferioridade. Ela sempre foi alguém calada e introvertida.


 Não pude me permitir deixar a materialidade dela, preciso ir onde ela está e chorar, sentir que ainda posso tocar em algo que um dia já foi gente, está perto de alguém que já foi tudo e agora os vermes a comem, eu preciso dessa materialidade para não ficar louca. Pra não cair.


 Ficou o amor e o complexo de inferioridade, das vezes que briguei e joguei na cara que ela não poderia ser assim ou assado, agora me olho no espelho e percebo que o amor não é a única coisa que nos une, os complexos e as palavras que um dia eu a disse hoje repito para mim. Eu peguei isso pra está perto dela mas não quero. Eu preciso que você saia.


 Eu a odeio pelo que ficou e me acalmo por isso também, ainda tenho algo dela, eu ainda preciso dela. Eu sei andar só, mas sem ela não há um rumo certo, nem sentido. Sua aprovação não era o todo em minha vida, mas era uma das mais importantes, eu também sentia admiração por ela, queria ter uma vida com a minha mãe, queria uma vida digna. Eu a queria para mim.


Eu preciso te deixar ir mãe.

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