sexta-feira, 18 de março de 2022

Livro

  Certo dia falei em terapia que muito do que começo não termino, que isso me define muito, hoje terminei um livro que há meses venho tentando, uma das histórias narradas me faz lembrar mãe, outra a mim.

  Mais terminei um livro hoje e me sinto feliz por este final, assim como sinto que preciso me perdoar, mais hoje terminei o livro e é isso que importa.

  Sinto-me forte.

quarta-feira, 16 de março de 2022

Pipocas

  Pipoca me trouxe uma recordação "apagada" da zona rural do interior, eu criança/adolescente, meus avós e mãe, no fim de semana que íamos era comum e barato levar pipoca ou meu avô comprar, a noite vendo novela ou no domingo vendo Faustão fazíamos pipoca e tomávamos café pra jantar, vovó tomava seu mingal de aveia que tanto me trouxe uma certa repulsa, me vem a cabeça a mãe mastigando as pipocas enquanto segurava com sua mão algumas e na outra mão o seu café. Eu achava que nunca sairíamos daquela situação, que eu nunca a perderia.

sexta-feira, 4 de março de 2022

Gabriela, a ansiedade punitiva (?)

  5h24 o despertador de Gabriela toca e desliga, 5h30 toca novamente e ela checa às mensagens do celular, em 5 segundos seu estômago embrulha e ela se recorda que essa sensação só é causada com ansiedade alta, fecha os olhos e fica virada na cama como se esperasse um milagre para aquilo passar, talvez uma pandaca nas costas que doesse tanto que desfocasse do que sente na barriga.

 O estômago parece ficar suspenso entre os órgãos, o que é engraçado porque são todos tão apertadinhos, é como se algo inflasse ou até mesmo sumisse e só ficasse aquele pedaço de carne mais grosseira e elástica com uma alça que liga de imediato ao intestino, ele parece tremer, rodar, assustar e tudo isso com a força do pensamento, os olhos se enchem de lágrimas.

 Às 6h senta na cama, com o corpo mais curvado, pernas pesadas demais e mãos apoiadas na borda da cama mantém os olhos fechados, a cabeça pesa, o estômago treme, a boca se mantém fechada como se entre os lábios tivesse uma cola criada durante a madrugada que dá a sensação de leve grude, a boca amarga e imagina o mau hálito, preciso escovar os dentes, pensa, só pensa mas sem reagir.

  A ansiedade continua ali, ela é diretamente ligada com a frustração, existe também um pedido de socorro silencioso mas que não adianta verbalizar porque é algo que apenas ela pode resolver, como forma punitiva não se permite mudar o pensamento e fica pensando sobre o causo até chegar a uma conclusão, o analista questiona o motivo dela não reconhecer o que fez até aqui, tem a sensação que todos veem algo que não condiz com a realidade, são 6h15 e é muito cedo para síndrome da imposto atacar, pensa novamente.

  Então ela senta para trabalhar, pensa em escrever mais salvo engano, demanda, agora continua com o gosto amargo na boca, os ombros estão pesados, a cabeça, sente frustração ao ver a casa, ainda bem que não é a minha, pensa aliviada, a minha falta tanta coisa, pensa com ar de rebatimento, preciso do meio termo. Foca nos ombros, foca no pescoço, a frustração da pancada na mão, do que não pode ser mudado, existem coisas tão irremediaveis, levanta e vai escovar os dentes, toma água com limão e própolis, senta, sente angústia de ter que trabalhar com a sensação de desespero, chora ao telefone, perde a paciência, aumenta a voz, bate a mão e machuca novamente.

  Senta novamente na cama e põem a cabeça entre as mãos com apoio dos cotovelos na mesa, pensa no exercício que o terapeuta ensinou, respira 3x profundamente, a luz de notificação do Hangouts acende e sente frustração. Durante a terapia compreendeu que a frustração vem do que não está a seu alcance, a palavra seria impotência/incontrolável/insuficiente, existe uma palavra que se encaixa mais ainda, ela não recorda. Maudito seja. 

  Gabriela visualiza a parede como se houvesse uma câmera que o ângulo se afasta, volta da cama e senta na mesma posição, ombros curvados, pés no chão onde um está levemente virado, pernas pouco abertas e os braços apoiados nas coxas e as mãos soltas dentre elas, agora consegue sentir o estômago mexer, ele quer sair pela boca, é como se agora tudo estivesse tão rápido, tenta organizar os pensamentos para organizar as emoções, tem que racionazar rápido, tô assim e sei o motivo, mas por que dói? Ela faz o processo errado, invés de tentar acalmar ela tentar pensar, está errado.

 10h07 e percebeu todos os comportamentos da frustração, da vontade de brigar, ela sentiu cansaço mental e físico, se comportou exatamente da mesma forma que antes, no fundo está contente de ser capaz de entender que não estava com raiva do trabalho mas de si, lembrou que dois anos antes que estava assim, é frustante não conseguir se mover, sou hipócrita, grita do quarto na esperança que algum vizinho a escute e concorde. Que puna.

  Existe um sentimento que pune, é como se tivesse que passar por isso pois é alguém ruim, como pode aplicar nas pessoas o meio termo, perdoar e ter empatia quando não tem de si, existe um ponto na mente que é o sim e o não, escuro ou claro, medo ou coragem, como se a vida toda fosse baseada em extremos e não meio termos, não para si. Não é perdoado um erro. 

  Não tem lógica, levanta, sente o corpo pesado de desânimo, lembra que ainda não comeu nada e nem os remédios, engraçado se fosse meses atrás estaria comendo tudo e agora a comida é minha inimiga, ela nem tem culpa da guerra que faço, chora. Se coloca nua no chuveiro e deixa a água bater, não pode demorar pelo trabalho, se sente mais limpa mentalmente e sente fome. No corredor percebe que se está com fome é sinal que a ansiedade amenizou, para um momento e percebe que o estômago está normal, ainda sente no rosto algo estranho, sente que quer correr agora, que precisa correr, antes estava parada e morta e agora quer correr, a ansiedade lhe parece que foi redirecionada. A notificação do hangouts volta aparecer está mais calma. 

  
 

quarta-feira, 2 de março de 2022

Luto

  Na segunda mexi nas coisas da mãe, peguei todos os exames e amassei, um a um, guardei os laudos, ficha e documentos dela, guardei dois exames grandes de imagem onde vejo o tumor gigante, o resto amassei, chorava que nem criança, abri todas as coisas da minha casa, joguei fora minha Barbie (havia ganhado da minha tia quando era criança ) e o Ken ( que é um boneco que a vó achou nos matos e fez até roupa e me deu), joguei fora pastas com músicas que na adolescência eu queria aprender a cantar, havia muito do Kid Abelha, Biquíni Cavadão, Legião Urbana e outras, havia fotos da Usurpadora, outras novelas que mexiam demais comigo. Engraçado que eu comecei a ter problemas com meu corpo quando percebi que nunca seria como a Usurpadora, corpo e rosto, até pintei o cabelo uma vez, joguei fora post da Maysa que eu via em jornais, do Kid Abelha que era minha banda preferida na adolescência, joguei fora roupas e lenços meus, alguma coisa da mãe.

  Jogar isso tudo fora e as coisas da mãe foi como admitir que a perdi, aceitar que aquilo tudo não me serve mais de fato, tudo já passou, não adianta guardar o que não serve mais, foi doloroso, chorei o quanto precisava e ainda sim não consegui juntar as coisas dela que servem pra doação, na verdade estão juntas e organizadas mais tem coisas que quero pra mim, eu guardei os lençóis dela e fiquei tentando sentir o cheiro como se fosse um resquício de vida ali mas não tinha, o tempo é implacável. guardei o copo que ela gostava, a escova de dente, a prótese dentária e o livro de oração, tinha uma foto minha porque ela sempre me mantinha nas suas orações, a foto é ridícula, eu sempre dizia. 

 Guardei meus diários, dois na verdade, li e só falava de meninos, de como eles não olhariam para mim, me lembrei porque na adolescência o livro a marca de uma lágrima era meu favorito, tem uma foto minha toda riscada, onde não tem como me identificar e fico pensando que desde aquela época eu já tinha problemas com a minha imagem, era 2006. Tem uma foto da mãe também, ela seria que só, bateu mais saudade, eu guardei os diários, o resto joguei fora. Senti que estava tentando encher meus pulmões de vida novamente, ajeitar as coisas, aos poucos deixar ir, sinto que foi um dos processos mais importante do meu luto, a casa está bem limpa e me senti dela de novo, queria voltar.




Relatório a psicóloga.